A solicitação foi feita pela PGR ao STF (Supremo Tribunal Federal) no contexto da investigação sobre os ataques às sedes dos três Poderes ocorridos no 8 de janeiro
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para ter acesso "a nomes e dados de identificação" de seguidores de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais é genérico e ilegal, apontam especialistas ouvidos pela reportagem. Segundo eles, o pedido infringiria o direito à privacidade e ao devido processo legal.
A solicitação foi feita na segunda-feira (17) pela PGR ao STF (Supremo Tribunal Federal) no contexto da investigação sobre os ataques às sedes dos três Poderes ocorridos no 8 de janeiro. Segundo a Procuradoria, o objetivo seria ver o alcance de publicações que incentivaram o ataque golpista.
"Fatos que atentam contra o Estado democrático de Direito precisam ser investigados, mas com um mínimo de delimitação de pessoas e do objeto de investigação", afirma Claudio Langroiva, professor de Processo Penal da PUC-SP.
Para ele, a busca indiscriminada dos dados é um tipo de devassa na vida das pessoas que viola o devido processo legal, o direito à intimidade e à vida privada.
"É preciso ter o mínimo de delimitação de quem seriam os suspeitos dos fatos ou, pelo menos, qual seria o universo específico de suspeitos que levariam alguém a pedir a um juiz uma quebra de sigilo de dados para poder conseguir endereços, telefones e contatos dessas pessoas."
Segundo Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), o pedido é inadequado porque viola o direito à privacidade e o princípio do devido processo legal.
"O que pode acontecer [com o pedido] é o fenômeno chamado fishing expedition, que é você pegar dados enormes ali e começar a achar pessoas que você não tinha investigado. Isso seria inconstitucional", afirma.
Nunes afirma que o correto seria a investigação focar em pessoas sobre as quais recaiam indícios de terem participado do fato ilícito. Pedir, portanto, os dados de todos os seguidores do ex-presidente não faria sentido.
Rossana Leques, advogada criminalista e mestre em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo), afirma que, no processo penal, medidas invasivas só podem ocorrer se há indícios de que um determinado indivíduo é suspeito de alguma prática criminosa.
A PGR lançou uma nota em que justifica que o pedido ocorreu com o objetivo de averiguar o conteúdo e o alcance das publicações do ex-presidente relacionadas ao 8 de janeiro. Na nota, a Procuradoria afirma que os seguidores de Bolsonaro não estão sendo investigados e não terão os dados expostos.
O subprocurador-geral Carlos Frederico Santos disse: "Jamais iria investigar milhões de pessoas, seria até impossível fazer isso". Só no Instagram, o ex-presidente tem 25 milhões de seguidores.
O documento da PGR também falava na identificação, com os respectivos dados, de pessoas que tenham republicado postagens de Bolsonaro investigadas e que tenham mais de 10 mil seguidores, "permitindo a aferição do alcance da difusão".
"Se a intenção é a demonstração de alcance das postagens, certamente poderia ser feito um pedido distinto, sem terem sido pedidos os dados individuais de cada um dos seguidores", afirma Leques.
Para ela, o pedido é "claramente genérico, amplo, foge realmente por completo do que se espera de um Estado que preza pela garantia dos seus cidadãos".
Segundo Langroiva, embora a investigação trate de temática importante para a democracia, é preciso respeitar os trâmites autorizados por lei.
"Não podemos aceitar quaisquer ações que não sigam estritamente o devido processo legal e a Constituição. Qualquer coisa que seja fora disso e venha a ferir direitos e garantias fundamentais são, senão iguais aos crimes, piores porque perpetradas pelo Estado", afirma Langroiva.