CRISTIANE GERCINA E MARCELO AZEVEDO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Associações de defesa do consumidor e representantes de varejistas criticam a possibilidade de alteração nas compras parceladas no cartão de crédito, que poderão ser taxadas, fazendo com que acabe a opção de dividir os pagamentos no cartão sem juros para qualquer tipo de compra.
A medida, em estudo por um grupo formado por Banco Central, representantes dos maiores bancos e Ministério da Fazenda, foi mencionada na última quinta-feira (10) pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, em audiência no Senado. Segundo ele, a ideia é criar um tipo de tarifa para "desincentivar o parcelamento sem juros tão longo no cartão".
O fim das compras parceladas sem juros, no entanto, traria prejuízo a consumidores e comerciantes, segundo representantes de Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), Abranet (Associação Brasileira de Internet) e Mercado Livre e Mercado Pago ouvidos pela Folha.
Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, classifica a medida como uma "interferência absolutamente indevida" do Banco Central.
"Se o BC vê risco sistêmico no crédito rotativo, ele deve olhar o rotativo. Mas qual o risco do crédito parcelado, já que é o lojista que paga essa diferença? Não há problema nenhum, não há por que mexer, e o pior de tudo é misturar as duas coisas para tentar confundir a cabeça do consumidor. O BC normalmente acerta, mas hoje ele errou", diz Pina.
"É uma interferência num contrato que está funcionando. Hoje, o lojista adota a estratégia que é melhor para ele. Ele pode embutir os juros e cobrar do cliente com juros ou assumir o pagamento. Sem o parcelamento sem juros, alguém vai ter que pagar por essa interferência", afirma ele.
Para o assessor econômico, a mudança pode ter a ver com a possibilidade de fim do crédito rotativo, também mencionada por Campos Neto na audiência no Senado. "Se for mexer no rotativo, pode ser que os bancos estejam bastante incomodados, e vão querer recuperar a taxa de juros que vai cair; vão querer um produto para eles e vão tirar do consumidor, do lojista", afirma.
Ivo Dall'Acqua, vice-presidente da federação, também vê a medida como uma intervenção no varejo que trará impactos negativos. Segundo ele, que diz falar como um comerciante que passou 25 anos "atrás do balcão", embora um pouco mais oneroso, o parcelamento no cartão traz a segurança da liquidez para o varejista, principalmente para os que dependem de capital de giro.
"A questão da imposição de juros sobre o parcelamento vai impactar o comércio, porque os comerciantes, de uma forma geral, estimulam muito o parcelamento via cartão de crédito. Mesmo tendo de pagar uma comissão que não é pequena, em contrapartida, há uma segurança de que vai receber", afirma.
Henrique Lian, diretor de relações institucionais e mídia da Proteste, afirma que a possível extinção do parcelamento sem juros pioraria significativamente a situação dos consumidores e prejudicaria o varejo brasileiro.
"Os consumidores deixam de dispor dessa modalidade que, na prática, substituiu o clássico 'crediário'. Causa espanto que nem a autoridade monetária, nem a fazendária e, obviamente, muito menos a Febraban [federação de bancos], tenham incluído nas discussões o principal ator e interessado: o consumidor", diz.
François Martins, diretor de relações governamentais do Mercado Livre e Mercado Pago, classifica como "gigantesco" o potencial de impacto negativo. Segundo ele, o crédito parcelado sem juros é importante para os dois lados da transação, comerciante e cliente.
"Para quem está comprando e para quem está vendendo o parcelado sem juros é representativo e a falta dele teria um impacto negativo absolutamente gigantesco. Geraria um aumento em custo de crédito de 35%."
Martins afirma que a medida não seria adequada em nenhum momento econômico, mas, na situação atual, seria ainda mais impactante. "Do nosso ponto de vista, qualquer restrição tem mais impactos negativos do que positivos", afirma.
Em nota, a Abranet, representante de empresas que atendem pequenos lojistas e consumidores, diz ser veementemente contra a medida, porque vai desaquecer ainda mais a economia. "A entidade defende a livre concorrência e repudia a tentativa de extinção, taxação ou alteração da forma de pagamento."
A associação diz que o fim do parcelamento sem juros no cartão interfere em medida que ocorre há décadas no país, em um setor –o de cartões– responsável por 10% do PIB (Produto Interno Bruto do Brasil).
"Milhões de brasileiros que fazem compras parceladas serão prejudicados. E muitos lojistas dependem de vender parcelado para manter seus negócios. Metade de todas as vendas em cartão de crédito em 2022 foi parcelada. Foram R$ 1 trilhão em compras parceladas, afirma Carol Conway, presidente da Abranet.
Segundo dados do Datafolha, 75% da população fez uso do crédito parcelado sem juros em 2022.
A Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) diz, em nota, estar concluindo seus estudos, "buscando encontrar alternativas que possibilitem a prática de taxas de juros no rotativo cada vez menores para apresentar, ainda neste mês, ao Banco Central".
A Febraban, também em nota, chama de "distorção" o percentual de uso do cartão parcelado e afirma ser necessária "a diluição dos riscos entre os elos da cadeia", alegando que os bancos suportam "todo o já elevado custo da inadimplência".
"Com base nessas premissas, a Febraban busca uma solução construtiva que passe por uma transição sem rupturas, que pode incluir o fim do crédito rotativo e um redesenho das compras parceladas no cartão", afirma.